sábado, 22 de dezembro de 2007
Noite
sábado, 1 de dezembro de 2007
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
ViajarajaiV
Viajar contém em si um perfume já sorrindo, abre os cabelos em leque ao vento novo - vento frio e azul de nascer-sol. Quando se viaja tudo é-se semente e também partilha em magia: desrevela-se em espasmos a rejuvenescer, gritos, revitória ao sempre. Ah, como é bom viajar!
Viajar devia ser palíndromo: viajar é ida volta. Que na ida somos um e na volta dessomos de novo, desesquecemos caminhando pulos aos sabores da infância deixada atrás. Viajar é ir não voltar mais, e voltar. Glória efêmera em desconhecido, infinita em noite, engolindo e bordando todas as outras! Felizes os pássaros que viajam o ano longe, queria eu ser também músico e vaguear no porvir! Ou queria eu música - descrevo:
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
I (rascunho)
Cena II:
sábado, 10 de novembro de 2007
II (rascunho)
Sozinho, malvestido, maltrapilho, fumante. Estava atrasado, e cada gota derrubada nos seus cabelos desviava um minuto do percurso. Relógio incessante. Fumava, cigarro atrás de cigarro. Dedos tamborilavam no casaco ansioso, maldizia o tempo.
Corria. Investido de fúria. Agarraria folhas voando. Redemoinhava ao sabor da tempestade. Era sujo, infeliz.
Numa esquina, tropeçava. O fim.
Observava um louco atravessar a rua e, intrigada, sorria-lhe.
“Quer vir comigo?”
Ofereceu-lhe espaço debaixo do guarda-chuva e ele, pingando lágrimas de outono, aceitou, com um aceno de cabeça.
Andaram. Ela sorria. Ele ainda escravo do tempo. Até que ela parou.
Em uma eternidade, os dois se beijaram. Ou foi ele que a beijou. Ou foi seu reflexo nas poças que o fez. O pensamento lhe cruzou a mente como relâmpago refletido nos olhos púrpuras dela. Que sorria, incessante. De qualquer forma, o tempo parou.
Já não chovia mais, jorrava sol nos becos sujos. Quem lhe dera saber quem era.
“A chuva acaba com todos nós.”
“Eu estou atrapalhando?”
“Você me faz companhia, eu lhe levo aonde quiser.”
Jamais entendeu o que se passou ali. Guardou aquele reflexo nos cofres mais ocultos da memória, para não abri-los de novo, não enquanto chovesse.
No dia seguinte amanheceu brilhando.
Nuvem era jovem, tinha seus anos levados a cabo de improviso, era desses insatisfeitos, que jamais haviam sentido aquele prazer tão simples de aquecer os pés na lareira e dormir ao sabor dos pingos lá fora. Era desses que inda descompreendia o ribombar repentino dos trovões no céu vazio. Mas não era de todo tolo: era também dos que são insatisfeitos, daqueles que já viram o belo e não o descobriram mais, dos que por mais que beba jamais satisfaz a sede. Dos que só beberia vinho.
Daquela feita, descobriu o sorriso do firmamento. Descobriu selá-lo carta com beijos escondidos sob as asas dum guarda-chuva. O suficiente para deixá-lo insone pelo resto da vida. Jamais voltou ele para casa, jamais conseguiu atender ao tal chamado do relógio.
Arrivou atrasado. Nada real havia ocorrido. Nada desculpava sua demora. Faltavam-lhe provas da glória que exibia. Não ligou para as punições, sofreu estóico. Sorria em eco. Os olhos, em outros tempos. Não importava que rasgassem sua carta.
Fora enfeitiçado. Sem saber como, mas fora. Não era chuva que bebia agora, havia assistido a um milagre. A partir daí, saberia a si em sonho.
Ela transbordava na paz roubada. Já não sorria, tossia longa e pausadamente. Mas satisfeita. Seus dentes rasgavam a carne macia de inocente. Era bruxa. Era dessas que não se encaixa em uma definição vaga, em um grupo a ser definido. Era um guarda-chuva, exposta ao vento e à água, ao sol e às vezes, a passantes encharcados.
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Alegoria
Saíamos a balançar guarda-chuvas fechados ao vento, gritávamos eco! eco! no topo das montanhas cinzas.
Pastávamos.
Eis um que mordido, se fugiu e escondeu.
Eis ovelha negra.
Saíamos a balançar guarda-chuvas fechados ao vento, subíamos à sombra mais alta,
Gritávamos para fim:
Eco...
O corvo negro, a zombar e morder,
Convidava mordendo, doendo.
Um dia desses, tomado de ânimo, tomado de flecha cravada no peito,
Dessas atiradas a cegas por ela maldita,
Um dia desses saltei janela afora, jorrei sol,
Escrevi branco no céu azul.
Todos me seguiram - todos ecoando comigo;
Mas tantos abriram o guarda-chuva que levitei.
Meu algodão espalhou pelo céu e virei nuvem.
Hoje, quando abro olhos,
Fito o céu com raiva.
Tropeço-me em tantos ecos da nuvem que afoga luz,
Armo uma flecha no arco.
Que a nuvem branca virou montanha desbotada;
Que tantos flutuantes naquele céu mais parecem escarpa dura,
Parede dura, infértil, morta.
Puxo meu arco e mordo, derrubo a nuvem, ovelha de guarda-chuva.
E que nós, aqui fugidos, escondidos,
Hoje à noite comeremos a carne dos nublados,
E procriaremos aves de cor e de voz, aves da cor e da voz, corvos.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Plano de Amor
tenho vontade de falar eu te amo?
Meu projeto de paixão é este:
Alvejar a passante com uma tirada de chapéu,
Transmutá-la em ser sorridente, e fim.
Que toda a relação seja assim:
Deixa-a resumir-se a sorrir-me e viciar-me
Deixa-me cuidar de providenciar sua satisfação.
domingo, 28 de outubro de 2007
Morte
Se em todos os outros encontros que tive sofri, neste, acima de qualquer um, rasguei-me a ponto de tornar-me irreconhecível. Se tento descrevê-lo é somente para homenageá-lo. Dali então minha sina era, sempre que esbarrasse nalgum sorriso comparável, reduzir-me a exclamar, brandindo um guarda-chuva fechado: «Zut, zut, zut, zut!*» e nada além. Minha morte foi tão prazerosa, ah se foi! Alguns dizem que homem nenhum deseja a morte, discordo. Explico. Anseio a morte acima de todas as maravilhas do mundo. Desde aquele encontro terrível vagueio insatisfeito com meus eus vulgares, sou eterno visionário, insaciável ante o novo. Suicido sempre que posso, sempre que é dada a oportunidade. Mas nenhuma morte ressuscitou-me tão brutal quanto aquela. Aqui faço um parêntese. Minha morte almejada é a do espírito. Não que não me ame como sou, não, Ha! Comparado com os outros que rastejam por aí, sinto-me nas nuvens, sinto-me próprias nuvens. Mas como nuvens enxergo estrelas acima, não sossego enquanto não derrubá-las, alçar-me às suas profundezas mais inalcançáveis. Se me fosse então imposto deixar a carne, dissipar-me de todo, deixando para trás apenas as poucas jóias que já confeccionei, prantearia longamente. Feita aqui a distinção, alongo-me pela morte da alma. Sim. Naquela tarde impossível foi-me aberta uma porta, uma porta que muitos já me haviam descrito, da qual já havia lido extensos louvores, mas acreditava-a fruto da imaginação dos ébrios.
“Mas o homem que vem de cruzar de novo a Porta na Muralha jamais será igual ao que partira para essa viagem. Será, daí por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com a própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas, entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele procura, sempre em vão, compreender”.As Portas da Percepção
Aldous Huxley
sábado, 27 de outubro de 2007
Cárcere
Como? Se desse modo poderei tornar à mortalidade? Mas se não será precisamente o contrário! Tolo! Rirei de ti também, reles pedaço de carne, Ha! És tão ingênuo... Acha-me ela. Quero desfrutar alguns segundos de grandeza antes de minha maldição volver à mente, antes de perceber minhas algemas inimaginavelmente poderosas. Nada pode deter a montanha, meu caro, somos meros grãos de pó, juntos seremos torrões de terra e nada mais. Quão longe está a eternidade da rocha da efemeridade da carne! E minha carne é feita de roubo e mentira, minha carne me trai e foge, me deixa preso à Imensa, à Única. Não, não, não. Já não posso mais viver como tu vives. O máximo que consigo é contemplar-te, escrever-te belos versos e contar-te minha história. Sou-te superior, no mais. Algum dia talvez atinjas minha glória de vassalo, meu naufrágio.
Vejam só, ele realmente foi! Ah, que diria a montanha sobre isso, com sua voz de uivo, seu vento amigo a roçar-lhe as faces de granito, que diria a Terrível. Consegui capturar mais um na minha sina, vejam só. Mais alguns e construirei um pequeno banco de areia, talvez não mais do que o suficiente para naufragar alguns outros e aí...! Ha!
Armadilha
Felicitava-me ingênuo, inofensivo, abri os olhos, cansado do brincar cego, do guiar-me pelas extremidades, que surpresa! Um espetáculo! E foi aí que meu plano inteiro seguiu por água abaixo e dei-me conta do erro, dei-me conta do que era tal encontro terrível com os faunos, dei-me conta de Quem me era dado conhecer ali, naquele instante. Pois estava eu satisfeito com minha vida apagada, e ria a esmo. Maldição então aquela de encontrar justo ali, no melhor parque da cidade, alguns terríveis servos da Inefável, a honrar-lhe e louvar-lhe. Mas vamos ao episódio.
Abri olhos e ouvidos ao ambiente e de imediato identifiquei logo à frente, a poucos passos de meu refúgio, o caos sendo orquestrado. Meia dúzia de fanáticos despiam-se da secularidade, desembainhavam instrumentos muitos e deles extraíam odes à sua Amada. Eram claramente servos antigos, já acostumados ao fardo: acreditavam-no dádiva celeste e divertiam-se com seu labor ingrato. Disputavam uns com os outros as atenções de pequenas manifestações da Perfeita, sua diminuta platéia de amantes, que rondava e aplaudia. Descrita a visão, passo às suas catastróficas conseqüências sobre minha paz.
De início congratulei-me e admirei, nada além. Mas conforme se deu seguimento ao culto fui compreendendo seu objetivo, vislumbrando a deusa pela qual suas vidas eles sacrificavam. E sobressaltei-me, e revirei-me, e olhei em volta para ver se não estava sonhando, o que descobri ser verdade – era um intruso nos próprios sonhos – e então em minha alma gritei e pedi socorro enquanto perdia-me nos labirintos de ilusão. Ah, como fui desprevenido! Contemplei para sempre a execução das obras apócrifas; jamais desviei o olhar. Qual lobo, colhido pela armadilha; qual amante, preso pelo pé ao túmulo da amada; qual sábio, aprisionado numa sombra de ave, talvez para nunca-mais; fiquei ali, inundado por revolta e ambição. Morri naquele momento, e hoje sou algo intermediário entre o ingênuo feliz que já fui e os faunos servis que aqui maldigo.
texto de Munique, parque.
"Imagina. Ah, eu sou um mero aprendiz. Eu estou tentando escrever, vocês estão tentando tocar. Não é a mesma coisa? Italianos. Eu peço um violino e ele tira. Vou pedir uma música. Afina esse diabo logo meu filho. A ansiedade está me matando. Viro-me, tornar mais óbvio o foco da minha atenção. Se bem que as duas ali, até agora alemãs, violinista e cellista, belo espetáculo. Por favor, desembainhem seus instrumentos. Não dá pra morar longe disso não. Meus sonhos se passam aqui, estou intruso no pensamento. - 'Ele passa, um ar sombrio, perdido em pensamentos. Não se divisa reação no seu rosto ao cruzar com os músicos de rua. É um momento solto de poesia no meio da vida cansada. Todos os outros se repetiram demais e foram esquecidos.' - Aproximo-me: intento desvendar seus sentimentos. Zombam-se e disputam, como crianças. Erram e aceitam. É tudo improviso, não há regras. Como eu posso florear esse momento? Dá para sonhar dentro de um sonho? Só o que me ocorre é interferir. O de laranja, óculos John Lennon, sou eu.
Sou teimoso, e fico aqui horas se for necessário."
terça-feira, 2 de outubro de 2007
Convite
Papel,
Flutuas em correntes de naufrágio, eternas tormentas de mutação.
Persigo-te como quem sonha o acordar, aderno-te sem escrúpulos:
Sou suicida ao querer cortar-te os pulsos.
Meu corpo é o teu, e ainda foges de mim, infeliz,
Desfazes-me em tiras, mas só para melhor envolver-te:
Espalho-me pelo teu rio de navios mortos.
Quando menos esperares, estarei lá,
Invisível nas fisionomias dos teus "poetas" prediletos.
Sim, grande farsante,
Infligiste-me tamanho desespero que agora já nem sofro:
Cambaleio,
Por entre teus mares de tinta,
Trajando máscaras cinzentas de ordinário.
Querido carrasco de prazeres,
Aflijo-me com tua distância:
Como serias bem-vindo em meus lábios,
A provar-te a carne danosa,
Trocar-te as glórias de papel?
Velho inimigo,
Aguardo o dia de meu triunfo, nossa morte,
Pois enquanto me multiplico, multicor,
Teus segundos se esvaem, e repito:
És fruto do meu querer, és filho do meu pensar, és meu, meu, maldito, que não fujas, és meu, meu amado barquinho de Caronte,
Sem ti, que sou?
Nem morro, dissipo.
Impede tamanho suplício! Depressa!
Abraça-me no leito rochoso onde arranhas tua âncora!
Socorre-me destas lonjuras do comum,
Arranca-me deste oceano sempr’igual;
Comer-te-ei sem remorso,
Sorrirei ímpar.
Chama-me do que quiseres,
Fim, Amor, Musa, Paz,
Sou todos! Graças a ti!
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Nostalgia II
e li e recordei de cenas que não se passaram comigo
Me esqueci. Esqueci que minha vida não começa há um segundo
esqueci que estou aqui, e estou aqui há tempos
Às vezes estamos tão presentes que só estamos assim
e fechamos os olhos para a multidão de outros eus que se passaram
Os pensamentos de hoje, que lutamos para derrubar
então, postos contra aqueles todos, aqueles verdadeiros inabaláveis
Ha! Eles riem, e eu me sinto pequeno ante a força que já tive.
Engraçado, olhando de fora agora,
para um passado tão distante,
eu vejo tudo através de um vidro de Ideal
e é bom.
Pergunto: que me vale preocupar-me sem limites
e reclamar se algo não sai como planejado
se quando eu olho para trás e lembro de tudo que já sofri
eu rio e regozijo. Quero voltar, e continuar inocente.
Tempo. Me peguei olhando fotos antigas e aí sim.
Me peguei já velho, indiferente, irreconhecível, de modos que não aprovo.
Me peguei ali, olhando para mim como se eu fosse passado
me achando tolo e inocente, criança
e arrogante e descrente, velho
Me peguei outro, e me esqueci.
domingo, 16 de setembro de 2007
Nostalgia
Estava eu agora há pouco ali, sentado solto, ruminando em tolices
e de súbito me acometi de irritar-me com todos aqueles papéis jogados avulsos no arredor
e saí a catar e a empilhar, e a arrumar e a limpar.
É daquelas horas em que surge na gente um espírito fauno
que nos faz pegar e finalmente pôr em prática o antigo plano gasto
e que não pode ser interrompido senão foge e se esconde.
Só no próximo por acaso que a gente esbarra nele atrás do sofá
e começa a dança louca novamente.
Pois bem.
Dei em mim vibrando um frenesi de arrumação e já ia jogando pilhas de manuscritos janela abaixo enquanto fortificava-me num castelo de cartas amassadas seguindo a minha lógica caótica e obsoleta.
E tanto tempo gasto nisso que aos poucos o espírito faceiro me foi revirando a alma e arrumando tudo lá dentro também.
E tanto foi que de repente estou eu olhando pro velho retrato que já vi e revi
Eu digo, todo mundo sabe que às vezes a gente esbarra em si mesmo e ri, surpreso de não ter se percebido antes. O que todo mundo esquece é que nessas vezes em que esbarramos em nós mesmos nós devolvemos o olhar de louco e não só nos distraímos com o que foi mas também gritamos e berramos pelo que virou.
Não,
Não sei se foi aquele momento idílico de autocontemplação prazerosa
do velho mestre a chafurdar nas brincadeiras de juventude.
Não, não, o que eu senti agora há pouco foi um terrível solavanco
de alguns gênios no meu interior acordando do sono terrível
que os outros que vivem a vangloriar futilidades haviam induzido por venenos e soníferos.
E os pobres ao se levantar choraram e maldisseram
e dentro de mim houve confusão tremenda.
É assim: lembram-se do espírito selvagem
que eu encontrei atrás daquela pilha suja de pensamentos
que me fez começar o samba inteiro?
Pois é. Na sua reviravolta ele acordou todo mundo aqui dentro
e agora fiquei numa revolução interna
e enquanto sonho em festas passadas o futuro me balança indizível
Sabe, às vezes a gente esquece que viveu
e se vocês não pensam que eu nasci ontem, pois é, eu pelo menos pensava assim até há pouco.
Eu digo: Viva! Estou vivo! E já já me esqueço e fico me lamuriando até o próximo solavanco dessa estrada esburacada que é a vida.
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Cena
Que no alto da montanha, sozinho, grita.
Cadê você?
Várias vezes, numa voz meio morta.
Na outra, pode ser o menino velho, chorando numa garrafa
guardando nela a pergunta.
Garrafa de vinho, com que embebeda sua mulher.
E lhe fala eu te amo.
Ah, conversar com você é como falar com uma garrafa vazia!
Musa Ruiva (de Füssen)
Seus cabelos queimam como o vinho e sua alma esconde um livro vazio.
Ela arde e brilha como o sol, e intriga, como o silêncio.
É óbvia e perfeita como a jóia,
Tentadora como a pergunta,
Ela é rubra,
Ela é fogo,
Ela é.
Ela é um lento despertar, uma ponte entre o onírico e o possível.
Uma estrela a brilhar sozinha na noite.
E graças a ela tudo tem sentido,
Ela é o objetivo,
O pólo norte dos compassos,
O guia dos navios.
Ela é uma vela solitária aquecendo o frio impossível da solidão.
Ela é três pontos finais seguidos,
Certos e repetidos,
Findando numa vasta reticência.
Um livro fantástico,
De prólogo impecável,
Com o final por compor...
Chama! Ela chama!
Ela é familiar, lembra-se dela?
Ela é a Lua.
De Budapeste
Hoje não é um dia, é uma espera. Uma pausa na corrida, hoje paro e descanso, hoje sou só, hoje não vivo, sou sombra, perambulo e vago, sou fantasma, sou etéreo, hoje tropeço em mim mesmo, hoje sou mais um, hoje não tenho nome, sou invisível, hoje não respiro, hoje não reclamo, hoje não sou. Esse dia não faz parte do futuro, nem restará no passado: está fora do tempo e da memória. Hoje eu posso ser fraco e chorão, hoje eu nem ligo. Hoje brinco com lembranças sem juízo, não avalio, hoje não amo, hoje não dói. Hoje é aquele dia que acorda cansado demais para ser cinzento, cansado demais para ser cansado, hoje o sol se demora e passa fraco e velho. Hoje... ah, que bom que hoje é só isso: um dia a mais. Hoje é uma pausa, e hoje acaba daqui a pouco.
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
Caos I
ADEUS!
Que se morra o inverno!
Eu não agüento mais o desespero fútil dos que não foram Ah,
meus filhos.
Ah, meus filhos, Vão-se embora para fim!
Que suas perucas largas estão afogando meu mar de sonhos
E eternamente penso: quem são os dois carinhos dois
Quem são os meus, quem é o eu e tu não sabes?
Barril de paródias soltas eu!
Despejo teu conteúdo na massa,
Na, no sufoque expectativo -
Matar o desejo da comparação:
Não - me - com - pre - en - da !
Azul.
A Musa (inalterado)
Vi uma musa.
Minha musa adentrou a Vida como nonada. Fugidia, zombou-me ao rondar desapercebida. Mas, singular, na sua pluralidade de interpretações, raptou meus olhos que fuzilavam a esmo. Sua carne dourada, seu sangue mesclava-se ao infinito... Aparição maldita! Criei-te em ti mesma, impus-te tua realidade inventada. Imagem eterna dos meus sonhos, incorporo-te de súbito, irremediável. Quero-te então sem cessar. Bacante, poderias ter-te morto com um gesto, em vez disso preferes fustigar o mundo, atiçar-lhe os astros, alçar-lhe às profundezas mais inalcançáveis do teu céu. Condenas-me escravo distante, à lembrança do lânguido desespero por ti inoculado nesta alma maculada. Tua cruzada contra minha felicidade é ligeira, esfarelas o Hábito com teu sorriso de ninfa, corrompes a Beleza num átimo. Deusa caída, crucificas-me na Indiferença, largas-me sem porvir no teu rastro de destruição. E iludes-me com a delicadeza fingida duma filosofia de amores. Enganas-te, não sou tão precavido, não desconheço as correntes que me situam no oceano do teu entorno. Pranteio a dor perpétua de saber-te aqui, entre os desprovidos de arbítrio. Se houvesse a esperança de enterrar-te, extinguir para sempre esse caos terreno que te marca alheia ao Destino, mas não! Tua Imortalidade é verdadeira no fantasma do teu regressar, sei bem que a liberdade é ilusão. Bruxa, retornarias no clímax de minha obra, para tirar-lhe o sentido e torcer meu espírito submisso. O corpo que deténs agora será livrado num segundo, se primeiro eu fingir conhecer-te os subterfúgios e interferir no teu ser intocável. E meu alívio jamais perduraria, com teu retorno póstumo no semblante mais inesperado. Sou passivo servente dos teus desígnios, anja solene dos meus pesadelos, amazona pura cativada pela ordem, ímpio não-ser das mágoas mais queridas que já obtive. Amo-te, eternamente! Aceito meu encargo acima de todo o possível, tua voz muda é a sinfonia que rege meu labor. Sorrio o sorriso dos vencidos, a amargura dos apaixonados. Agradeço-te, avatar secreto da minha miséria. Resumes minha existência no silêncio que sobrevêm à tempestade, o recordar dos teus macios pecados.
Expurga-me da razão, é tudo que peço.
Maldição
Vou, com este sortilégio,
Inventar meu próprio destino.
Vou torná-la meu espelho:
Quando escrever um livro me escreverei;
E vice-versa.
Página 4
Página 3
Já conhecer os caminhos, já saber os que gosto: Aqueles também fazem sentido. ó céticos, são tão válidos quanto os belos! Mas não o são...
Beleza inenarrável, vislumbrar-te é vinho das nuvens derramado no desatento.
Futuro e passado, tempo
E se destoarem, avalio: Estão encenando o que admiro ou vão repetir o velho e desajustado ritornelo?
Que a magia do vento e a Terra me engula!
Por Heráclito, Morri (Título de um luto póstumo ao viver desenfreado de outrora)
Chove
na cidade perfeita
já não se sabe mais se se está sóbrio
pois na verdade jamais o estamos
e cada frase cai como uma pincelada
Que incrível é a escrita, reduzir este universo inteiro em uma palavra
em uma baforada,
em um gesto,
correr! gritar! pular e dançar!
está tocando música meus amigos
está tocando música: é o silêncio
pare e olhe.
As lágrimas do céu estão borrando o estático
estão querendo fazê-lo retornar à vida que representa
e tudo é só: "um momento"
estou só? solipsismo, me agüente!
cavaleiro do apocalipse
vou me afundar em um mar de palavras
descrever a morte súbita do aprendiz
tenho como mestra a realidade
fechar os olhos? para quê?
quero todas as milformas do impensado
quero chorar mais o desnecessário
há tanto o que relatar. Mas sou eu o observador
Sou eu refletido no olhar alheio que sou meu palco.
Represento para mim mesmo! Amo o espelho:
é meu amigo, sou eu!
sobre esses próximos 3:
do meu caderninho do rembrandt
escritas num dia um tanto interessante
que, se nao me engano, foi o melhor dia
eu digo, até entao foi.
nao, nao fazem muito sentido.
nem sao bonitos.
mas foram o que saiu na hora
naquela hora interminável
feita de horas roubadas do sonho.
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Desliga o Tempo
Desliga o tempo e vai dormir,
estou com saudade dos teus sonhos.
O sono quer chorar pesadelos,
rir o dia inteiro,
e esquecer, por fim, aquilo que importa.
Acordar: egoísmo da alma.
a título de explicação
mas vai ser tudo que eu escrevo
e voilà, nao poderei parar mais.