segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Nostalgia II

Me peguei olhando fotos e memórias antigas
e li e recordei de cenas que não se passaram comigo
Me esqueci. Esqueci que minha vida não começa há um segundo
esqueci que estou aqui, e estou aqui há tempos
Às vezes estamos tão presentes que só estamos assim
e fechamos os olhos para a multidão de outros eus que se passaram
Os pensamentos de hoje, que lutamos para derrubar
então, postos contra aqueles todos, aqueles verdadeiros inabaláveis
Ha! Eles riem, e eu me sinto pequeno ante a força que já tive.
Engraçado, olhando de fora agora,
para um passado tão distante,
eu vejo tudo através de um vidro de Ideal
e é bom.

Pergunto: que me vale preocupar-me sem limites
e reclamar se algo não sai como planejado
se quando eu olho para trás e lembro de tudo que já sofri
eu rio e regozijo. Quero voltar, e continuar inocente.

Tempo. Me peguei olhando fotos antigas e aí sim.
Me peguei já velho, indiferente, irreconhecível, de modos que não aprovo.
Me peguei ali, olhando para mim como se eu fosse passado
me achando tolo e inocente, criança
e arrogante e descrente, velho
Me peguei outro, e me esqueci.

domingo, 16 de setembro de 2007

Nostalgia

Vejam só que engraçado:
Estava eu agora há pouco ali, sentado solto, ruminando em tolices
e de súbito me acometi de irritar-me com todos aqueles papéis jogados avulsos no arredor
e saí a catar e a empilhar, e a arrumar e a limpar.
É daquelas horas em que surge na gente um espírito fauno
que nos faz pegar e finalmente pôr em prática o antigo plano gasto
e que não pode ser interrompido senão foge e se esconde.
Só no próximo por acaso que a gente esbarra nele atrás do sofá
e começa a dança louca novamente.
Pois bem.
Dei em mim vibrando um frenesi de arrumação e já ia jogando pilhas de manuscritos janela abaixo enquanto fortificava-me num castelo de cartas amassadas seguindo a minha lógica caótica e obsoleta.
E tanto tempo gasto nisso que aos poucos o espírito faceiro me foi revirando a alma e arrumando tudo lá dentro também.
E tanto foi que de repente estou eu olhando pro velho retrato que já vi e revi
e de repente estou eu jovem, fixo e preso na moldura, olhando para eu envelhecido estranho, a divagar pensamentos simplórios e bruscos, a esquecer que me deve a vida e o sorriso tolo de nefelibata.
Eu digo, todo mundo sabe que às vezes a gente esbarra em si mesmo e ri, surpreso de não ter se percebido antes. O que todo mundo esquece é que nessas vezes em que esbarramos em nós mesmos nós devolvemos o olhar de louco e não só nos distraímos com o que foi mas também gritamos e berramos pelo que virou.
Não,
Não sei se foi aquele momento idílico de autocontemplação prazerosa
do velho mestre a chafurdar nas brincadeiras de juventude.
Não, não, o que eu senti agora há pouco foi um terrível solavanco
de alguns gênios no meu interior acordando do sono terrível
que os outros que vivem a vangloriar futilidades haviam induzido por venenos e soníferos.
E os pobres ao se levantar choraram e maldisseram
e dentro de mim houve confusão tremenda.
É assim: lembram-se do espírito selvagem
que eu encontrei atrás daquela pilha suja de pensamentos
que me fez começar o samba inteiro?
Pois é. Na sua reviravolta ele acordou todo mundo aqui dentro
e agora fiquei numa revolução interna
e enquanto sonho em festas passadas o futuro me balança indizível
Sabe, às vezes a gente esquece que viveu
e se vocês não pensam que eu nasci ontem, pois é, eu pelo menos pensava assim até há pouco.
Deus abençoe essa memória falha e incompetente
que me permite ser-me com originalidade
que senão naufragava num constante sempre
e virava meu previsto fim, desde o início.
Eu digo: Viva! Estou vivo! E já já me esqueço e fico me lamuriando até o próximo solavanco dessa estrada esburacada que é a vida.
Acelera, ó meu bom homem. Que devagar é tão calmo que eu durmo. E bocejo.
Quem sabe aonde estou indo, quem sabe se eu não sei?
Fim.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Cena

Tem uma cena:
Que no alto da montanha, sozinho, grita.
Cadê você?
Várias vezes, numa voz meio morta.
Na outra, pode ser o menino velho, chorando numa garrafa
guardando nela a pergunta.
Garrafa de vinho, com que embebeda sua mulher.
E lhe fala eu te amo.
Ah, conversar com você é como falar com uma garrafa vazia!

Musa Ruiva (de Füssen)

Ela é ruiva, ela é sonho.
Seus cabelos queimam como o vinho e sua alma esconde um livro vazio.
Ela arde e brilha como o sol, e intriga, como o silêncio.
É óbvia e perfeita como a jóia,
Tentadora como a pergunta,
Ela é rubra,
Ela é fogo,
Ela é.

Ela é um lento despertar, uma ponte entre o onírico e o possível.
Uma estrela a brilhar sozinha na noite.
E graças a ela tudo tem sentido,
Ela é o objetivo,
O pólo norte dos compassos,
O guia dos navios.
Ela é uma vela solitária aquecendo o frio impossível da solidão.

Ela é três pontos finais seguidos,
Certos e repetidos,
Findando numa vasta reticência.
Um livro fantástico,
De prólogo impecável,
Com o final por compor...

Chama! Ela chama!
Ela é familiar, lembra-se dela?
Ela é a Lua.

De Budapeste

Hoje é aquele dia que acorda em longas demoras, abre os olhos sem vontade e calça os sapatos do hábito. Hoje eu me visto de chapéus e desalinhos, arrasto meu corpo... não.
Hoje não é um dia, é uma espera. Uma pausa na corrida, hoje paro e descanso, hoje sou só, hoje não vivo, sou sombra, perambulo e vago, sou fantasma, sou etéreo, hoje tropeço em mim mesmo, hoje sou mais um, hoje não tenho nome, sou invisível, hoje não respiro, hoje não reclamo, hoje não sou. Esse dia não faz parte do futuro, nem restará no passado: está fora do tempo e da memória. Hoje eu posso ser fraco e chorão, hoje eu nem ligo. Hoje brinco com lembranças sem juízo, não avalio, hoje não amo, hoje não dói. Hoje é aquele dia que acorda cansado demais para ser cinzento, cansado demais para ser cansado, hoje o sol se demora e passa fraco e velho. Hoje... ah, que bom que hoje é só isso: um dia a mais. Hoje é uma pausa, e hoje acaba daqui a pouco.