sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Fragmento

Desabotoar a camisa da Terra
para desflorá-la com uma pá;
é túmulo que cava,
ou está plantando uma gravidez?
Que as pessoas masturbam as barras do metrô numa generosa pole dancing é óbvio.
Quais são as roupas da Terra?
Seriam os lagos óculos enormes?
E os rios lágrimas escorrendo
já mais pela arte dolorida.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Como ler

dão-me uma raiva as pessoas que lêem-lêem
lambem-lambem
lêem uma vez enquanto assistem televisão
uma vez e meia.
lêem pela metade.
lêem uma palavra direito, e falam "Aha!"
saem a comentar quatrocentas páginas, sorridentes
(já podiam ter ido para a casa que os pariu,
dormir e escovar o cabelo)

que diabos?
se é um texto, se é escrita
(aviso que isto aqui não é escrita; é só um palavrão)
então é igual a uma escultura:
não basta uma foto!
faltam os ângulos...

uma vez
comentaram para mim:
"seu texto fica melhor quando lido de cabeça para baixo"
demorei um ano e um dia
para entender
que ele lera meu texto
de trás-pra-frente.

amigos!
letrinhas são como um monte de formiguinhas
estão aí,
à disposição,
para que se brinque de assassínio e de perversidade.
vivem só para serem pisadas, em números de sapateado.
Um texto é feito para ser invertido,
para ser dobrado e amassado,
para ser usado como papel-higiênico.
Um texto é útil.

Se lhes ensinaram no colégio
que as páginas ficam em pé sozinhas
todas reverenciando o deus-sol
calmas e fáceis;
lembrem sempre disso:
aqui, onde eu moro, venta muito,
e as folhas estão sempre na ordem errada.

leiam uma
duas
leiam os dedos dos pés
tentem ler um texto
como se ele estivesse na frente dele mesmo.
Tirem-no da frente.

Jornal
só serve
para fazer barquinho
e avião
e principalmente chapéu.
não leiam jornal.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

pânico

eu devia ter falado de pânico, de claustrofobia, tremendo tanto com medos de anormal, de drogado.
ofegante sem parar, meio desesperado, e isso foi o mais incrível
mais do que todo o espetáculo, a verdadeira ação foi interna, foi no peito, doía tanto, a percepção, algum tipo de infraestrutura básica fora abalada, não era em nível conceitual, ou mesmo de sentimento: era antes disso tudo, eu doía e perdido.
eu já nem lembro. e os nervos à flor da pele, saí correndo do banheiro, estava quase chorando de desespero, e sem saber porquê. só me fez mal.
se me encostassem, se me viessem me tocar, eu gritava, eu ia explodir de horror, um desprezo-desespero, estavam todos tão doentes e eu só queria sair dali, só sair dali, socorro.
Greenaway falava tanto de aprisionamento, em malas, em prisões, em casamentos, e eu só me sentia encurralado; no fim, era uma sensação muito profunda, muito mais profunda do que amor ou ódio: era simples vertigem, simples pânico desesperado de se ficar esperneando horas afogado, espasmos, espasmos, não ter jamais por onde sair daquele pânico horroroso, frenesi ébrio e sem nexo que eu já vislumbrara em noite, que tenta ser pura dor horrorizada; dor das aflições, dos tremeliques, dos tiques ensandecidos, de todos os músculos tensos se contraindo, um corpo eletrocutado à espera de mais dor, dor que nunca vem; porque é o mais terrível de todos, que sabemos que vamos morrer e nunca morremos, e os segundos de certeza antes de alguém esmurrar-lhe a face, espancar-lhe por horas até nunca com barras de ferro, aquela certeza aterradora de que haverá dor, e será pior de tudo: odiar o presente, odiar a vida, odiar a existência, querer ser simplesmente erradicado, arrancado do mundo feito um carrapato; é a certeza de que será um Monstro - pois que metafísico, monstro imaginado, alucinação febril. a única sensação é de um total esmagamento sem ar, ser prensado por um milhão de toneladas; sensação de presa, cercada pelo predador, sabendo-se com segundos contados, o desespero mais forte do mundo, em que tudo conspira para arrebentar a própria carne; quanta dor não exala pelos ares, não irradia de chamas por essa simples covardia impossível - invertida, o maior covarde de todos, e já não tem pra onde ir, e aí o mundo vira de cabeça para baixo e é ele quem vai pular nos pescoços de todo mundo; na verdade ele é o pior de todos, ele desperta em fera abominável, de dentes enormes de arrancar carne, de rasgar rostos ao meio como folhas e jogar na fogueira dos olhos tresloucados.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Verdeacaminho

texto que fosse puramente intensidade
repetição tediosa de mil e uma imagens diferentes todas em guerra, tão em guerra que não sobra nada para contar uma história.
Texto que começasse no meio e não tivesse fim: gasto inteiro para expressar apenas uma palavra, um gesto, nada mais. Mostrando o quão desesperador não é um mísero segundo, texto que nos obriga a ler desesperados até a última linha gritando "chega!" mas hipnotizados, até o fim, quando termina e tão abrupto que dói mais ainda, e o mundo é o lugar terrível, e fugimos para fumar um cigarro, vomitar no banheiro, chorar.
lembro da primeira vez em que fui a um concerto de música clássica, e eu sabia que ia ali ver uma forma artística que até então me era desconhecida, e por isso me foi tão terrível, porque me abri completo, e no fim, que importava o que se passasse, eu abria meus poros ao mundo, ardendo, arrepiando como os bebês que choram ao engolir o primeiro ar, em seus pulmões virgens.
Não que seja bom: talvez pelo contrário, só faça mal, só deixe irrequieto, só atrapalhe..
Peter Greenaway estuprou minha vida.
( Dizer lisérgico ou esquizofrênico é lugar-comum, mas quem sabe que não é nada disso. Uma droga, na acepção terrível do vício em enlouquecer, em usar para libertar a mente, para abrir um outro lado da experiência... )
Houve pelo menos três fases: de início buscava simbologias, então desisti e fiquei perdido, desorientado. O espetáculo tirava-me ponto de referência e eu, sozinho, em um canto escuro, me desligava do real para adentrar uma tela múltipla sem tempo correto, sem espaço definido. A explosão das amarras em meio a uma sucessão de cortes à navalha do tecido híbrido tão natural que nos recobre o mundo como um cobertor quentinho antes de dormir, foi-me acelerando o pensamento, quando que já nem acompanhava as imagens.
Ao pousar no reino da aceleração suprema, podia brincar com as paisagens e as lembranças, escalando de tanto em tanto pelos estímulos de apoio. No enorme Rio da realidade, foram-me espalhadas vinte mil pedrinhas, nas quais aterrissava uma a uma, todas tão elásticas de trampolim, só me impulsionavam acelerar, a correnteza que quando vi já subia a cachoeira de cima para baixo invertida.
Nada explica uma tal aceleração, e, sem referência, cortada no meio como um despertar (ai! como dóem os despertares para nós que sonhamos tanto!) cada aplauso sangrava os ouvidos mais e mais, e me engolia o ar. De repente, em meio ao vôo, o combustível acaba, e batia as asas torrencialmente, mas que não bastava, e afogava no ar vazio. Mais do que o início tão brutal, tão desprevenido, o fim saiu o mais terrível de tudo, e em mil vidas ali desmaiei, morri, acabei... Recriar Tempo e Espaço, de maneira que invadissem o passado a ponto de jamais terem saído Dali, não há palavras para o horror destes pulmões pulsantes de trevas. O primeiro sopro de ar que engolimos, entrando na vida a tapas e socos e chutes dos médicos tão rígidamente certinhos em suas vidas bem-compostas de torturar recém-nascidos neste inferno queimando virgens os pulmões puros de inocente - deve ser maravilhoso cair de avião, uma queda de cem anos, só o suficiente para nos deixar amá-la. E estapeavam a pele macia do ar, em suposta homenagem, quando deviam preocupar-se em encher o cômodo doutra coisa que não oxigênio, de algo calmo e venenoso, mas não! que só sabiam balburdiar de maneiras incompreensíveis, por metros e quilômetros, e toda uma ontologia de ruído doloroso pois que tão habitual, que tão por um segundo esquecido - como eu odeio os aplausos em fim de espetáculo! Só me causam desprezo, só isolam, porque são cabeças vazias construídas até com elevador, e sobem e descem quando querem, sempre no mesmo lugar - enquanto as outras, as minhas, que são como plantas e ervas daninhas, se aferram ao solo, fotossintetizando um longo prazer estirado ao Sol, para quando forem arrancadas, com todos os machados do mundo, urrarem velozes, perversas, ardendo corpo inteiro, doendo infinito de masoquismo impossível - pipas ao vento, engolindo e arrotando raios, transformando céu e terra, estendendo suas raízes brilhantes pelas nuvens até viver de novo em paz, paz nefelibata; mas eis que acaba a tempestade (ai! como amo os delírios sem gravidade, em que as coisas saem voando de pernas pro ar, o vestido das bailarinas levanta, as árvores, os postes, tudo iô-iôs gigantes de gás hélio cabriolando como longos cabelos da Terra num grande aquário maravilhoso de reflexos e espelhos) eis que findam as asas deste objeto voador não-identificado, pires voador, em que os Deuses londrinos tomavam seu chá das cinco enquanto nos jogavam xadrez com as vidas; outro dia descobri que minha cidade está coberta por ladrilhos de pedra portuguesa, pretos e brancos, em que posso tocar piano, imaginar partidas gordas de xadrez - que são os pedestres senão peões avançando as casas como ninfomaníacos, atrás da próxima peça que irão comer; mas eis que finda de escorrer a tinta-sangue do sacrifício humano-animal-cristal-nave de papel-jornal, e a máquina de escrever metralhadora começa a gemer sob o peso das palavras escorregadias...
O sentido da escrita arrasta o mar em pura calmaria até o porto, fim da viagem, e não é à toa que os marujos saem ébrios de continente a trocar pernas no solo instável de sua terra natal.
Estamos muito habituados a tomar ônibus, a ver amanhecer e entardecer longamente, a palavrear futilidades em constante (bom-dia como-vai?). Quão abissal nos soa, nós que jazemos num mundo de superfície fácil e cambaleante, aquela nota só arrombando as vestes do comum. Ser de uma velocidade só, que nos atropela e fere os ouvidos com suas rodas de aço esfolando nosso marasmo modorrento, e que craveja sua seta de movimento aos poucos.
Se nos seduz, é porque temos dentro um demônio perverso, verdadeiro ser ímpio amante da destruição das paredes e das vidraças, que sobe aos ombros entrando pelo rabo, e ainda nos convence a largar estas âncoras bonitas de plástico cromado, compradas aos lotes em seis vezes de promoção.
Uma velocidade só, a da horda, a da matilha, e se nos agarramos ao furacão, é porque suicida.
O jazz mais livre sorri este efeito de embriaguez permanente, e não apetece ao dia-a-dia. Só de virar baldes de tinta na tela, em constituir um sítio arqueológico portátil, ao levar ao olho do tornado (o eu da língua dos londrinos) vemos o mesmo mundo em outros olhos. Minha casa passa voando circulando ao meu redor, já chamaram isso de morte (quando a vida goteja inteira desde os princípios diante dos olhos) mas há um fim para tudo.
Peter Greenaway não é um gênio metafísico - no máximo gênio maligno, Djinn; arauto safado de uma prostituição das mães.
Hahaha! Da risada dos que se deixam embebedar pelas putas, sabendo que elas lhes comerão as tripas como sereias. Ulisses, aquele não-Pessoa, ningúem furou meu olho, deixou-se enfiar num furacão de cantorias assassinas - foi arrancado de lá, não sei como não saiu louco, ele que não existe, virou um monstro a passar-se de ovelha com sua figura ilícita.

domingo, 2 de novembro de 2008

Lugar-comum

outro dia ouvi:
'coligação de mais-de-um avulso de mil-metros'
é o que se chamava, antigamente, quando as pessoas sabiam falar direito, de 'grupo de gigantes'.

ouvi também, com minhas orelhas:
'milêuma de processos de rochização, de amálgamas afivelados em seus assentos de ejeção'
o que sempre reconheci como um monte de metades de idéias, lançadas ao espaço pela filosofia louca de um lugar-comum.

É isso aí que eu batizo de hifenização da sociedade;
palindromização da sociedade;
desconstrução da sociedade, sociedadização da sociedade s.a.
Bando de termos loucos e bonitos - não dão certo e não fazem sentido.


Eis que vêm, e perguntam:
'Ora, quem é essa tal de sociedade - com quem você anda saindo, dia e noite, e volta só na segunda-feira à tarde,
bêbado,
sujo,
em trapos?
Essa piranha que te levou a falar mal dos sentidos engraçados,
daquela fase azul daquele pintor feio,
de um macaco em cima da árvore - que bonito! que bucólico!
de um não-sei-o-quê ilegítimo que só atrapalha na hora de transar?
Logo tu que antigamente era safado,
que gostava de desenhar mentiras na parede,
que não sabia dançar;
Logo tu que nunca soube sonhar em voar?'

Ah, não sei nada disso, eu só digo, sem saber o quê:
hifenizem-se, neologizem-se.
ih! inventem seus próprios léxicos de nadafazeres inúteis.
aí nós poderemos digladiar fantasmas, sem lençol - vai ser divertido! vai ser infantil, mas dane-se, que é festa-sesta na cidade-aventura de Mil-direção!

'lençol' - isso é o que eu chamava de papel branco,
papel útil para queimarmos em nossas obras desnecessárias de reinvenção.
também conhecidas, pelos sociólogos, como vandalizacionismo;
inadequadas à futura geração

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Basta-me um (1) texto absolutamente brilhante
e que ele me serve de álibi
quando sou fraco e sujo
ele me mostra que sou forte e corajoso
ha, vou brincar de bonecas quando sua mãe não estiver olhando
porque quanto mais a gente chora em um canto qualquer do quarto ela vem com o rolo de macarrão na mão roçar as minhas faces úmidas de lágrimas e rir uma risada enorme. eu a odeio.
quando então a matarei, que já nem sei.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Já é tarde

Quanto dói já não ter mais uma imagem de musa a que recorrer nos momentos de nostalgia por alguém que nunca existiu.
Naqueles momentos nos quais a solidão cansa no peito, e se busca com desespero as imagens belas dos dias bonitos e amarelos.
Mas não:
que os dias bonitos já são há tanto,
já se agüenta a distância até já nem notá-la mais,
que aquele jovem coração feito de chamas claras, brancas e vivas,
ele está afastado há tanto de qualquer outro:
que as teias de aranha da indiferença vêm crescendo,
e que os sonhos já também perdem o sentido,
que já se vive em função de ideais de gelo;
tanto mais terrível por ser um sono tão leve,
Ah! Qualquer brisa me acordaria!
Brisa mesmo que nunca vem.
E cada vez mais sensível aos mínimos suspiros,
e cada vez menos eles vêm.
A vida é bela e implacável - como aquele quadro de musa que guardo no meu quarto,
e que às vezes fecho-lhe os olhos para lhe sentir saudade,
e que já prometi só me deixar vê-lo quando puder sorrir de novo - e por nada,
mas que já fiz a promessa também há muito,
e que já mesmo as paixões mais infantis vão se tornando hábito cinza e desgastado.
Mas aquele distante olhar de alguém que nunca existiu.
Lembro que um dia eu era aqueles olhos,
e conseguia me ver distante como uma solidão inalcançável.

Quem sabe se algum dia não lhes dá na telha das correntes de destino que agrilhoam este navio de existência, não se viram como as marés em sua dança lunática de fim dos tempos, e nos deixam abalroar algum recife! para novamente podermos afundar nessas águas revoltas, poder chorar rios de lágrimas! - que nunca mais chorei lágrimas nessa odiosa calmaria morta e seca.
Estou reduzido a planejar vidas idiotas com todas que vejo e odiá-las escondido.
E já não entendo quando, trêmulo, no escuro, me enrosco na cama e sonho com infinitas daquelas que já amei algum dia, mas não adianta,
que até aí já não as lembro direito.
Não-lembrar: é o maior desespero,
não-lembrar dos maiores amores que doíam insuportavelmente.
Um dia acorda e a dor se foi;
onde foi?! Onde foi?! E já nem lembra mais quem foi embora.
O pior sentimento de todos é este:
o desgaste,
o cinza sem-graça,
o saber-se que não é o pior sentimento de todos - e isto é o que dói mais!
Porque é uma tristeza medíocre,
de mediocridades medíocres,
de preguiças infinitas de alcoólotras que já bebem por terem desaprendido o não-beber;
tristeza das inércias, e das indolências, e do não fazer nada enquanto a vida é um rio implacável que nos arranca pelos cantos por mais que grite, que grite sozinho no escuro.
Ai! Como dói não-doer tanto!
Sofre o coração por não-sofrer.
Queria agora estar gritando-urrando um desespero,
mas ao invés fico preso no pesadelo vazio,
e é grande a dor no vazio.
No vazio ninguém dói - e por isso dói mais ainda.
Um vazio de um apartamento vazio coberto de teias velhas de aranhas mortas de tédio.

Preciso de um cigarro.

domingo, 11 de maio de 2008

Noite II

Noite lembra aquelas distopias fantasmagóricas, de sair nas ruas sem luz e tremer no escuro, ser abordado por vários duendes de sorrisos estáticos, perigosos como estranhos, seus rostos alongados de não-humanos, esgares que não se sabe se de dor ou de paixão, em sua risada perene inaudível, insuportável, que nos dói as bases mais ínfimas do pensamento, lembra aquelas mulheres em êxtase agitando os longos cabelos num frenesi sem mente, aquelas bruxas tão terríveis, animalizações exclusivas do não-animal, espasmos sem nexo ordenados por danças ritualísticas ao redor do fogo, danças infinitas, de serpente rodando em transe ébrio, ao redor das chamas queimando tanto, daquelas velas acesas que só servem a dar medo dos mais distantes, velas que acendem uma bolha de falsa segurança, frágil, tremendo ao vento que murmura, o vento que grita, lá distante, sem saber quem, vento desesperado que já não se sabe se não nos é o próprio eco chorando, eco dos nossos pesadelos, e que esbarra pelos ouvidos desatentos fazendo as cabeças girarem aflitas, para todos os lados, encontrá-lo, encarná-lo, defini-lo, denunciá-lo palpável e não mais fantasma de paranóia, pôr fim ao medo transcendental de sua possibilidade, de sua noite; esses gritos tristes e desesperançosos como os tantos sussurros pelas vastas névoas cinzentas, as reverberações de uma cidade abafada em um universo de nuvem morta, construção fria, morta, habitada pelos semi-conscientes perambulantes, suspiros e vultos, movimentos nas bordas do campo de visão, o quase-visível, quase-audível: porque Noite nos fecha os olhos ferindo com garras de aço só para chorar querendo abrir, chorar em desespero de querer abrir, e as pálpebras arranhadas, esperneando na cama insone, em pânico, afogando nos inúmeros lençóis de pano, lençóis de alma, vestes de funerário, querer abrir a janela e pular, abrir qualquer coisa e fugir, sair, virar-se folha seca redemoinhando sem mente, em transe, às marés dos espasmos de riso, como um animal único, abrir os olhos sangrando à força e apagar aquelas velas tão ofuscantes, tão calmas, vontade de afundar atrás das roupas, dos lençóis, das máscaras demoníacas, dos disfarces de negro, as camuflagens, as vozes aos berros de blefe, sorrisos de escárnio, congelados, se esconder daqueles assassinos, vampiros, os animais que não o eram, os estranhos que surgem, dos que são tantos, os de olhos abertos, os que vêem e não são vistos, os de negro, não são visíveis: porque acender uma vela não ilumina nada, não ajuda, não, é gritar por socorro sozinho na noite, um sussurro indistinto, quase um desafio, que ninguém atende, é pior, porque aí que vira vítima, vira presa, presa dos outros que não se ouve, dos que não se ouve nem no silêncio, eles encontram, eles aceitam o desafio, não se está mais escondido embaixo de tanto pano - é estar nu de novo: à noite se salta janela afora enrolado em pano para não ser engolido pela brisa fria nos pescoços, enrolado em pano para tapar bem os ouvidos e não gritar, e sai para andar no escuro, nos becos sem luz, rodando os cabelos como moinho de folhas, espreitando, espreitando,
tão chorando como os pelados,
tão sozinho como os pelados,
e vai lá e salta num súbito,
salta das trevas, em espasmo,
rasga todas as vestes vizinhas,
grita e mata
morde e mata
gritando e sorrindo
bebendo sangue e sorrindo
fumando e sorrindo
rasgando carne
rasgando vestes
rasgando pálpebras com garras de aço em sorriso estático,
o sorriso duende,
sorriso vampiro.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Que é o elfo? (rascunho)

Que é o elfo?
Que é o ser alado de vislumbres
e explosões de artifício arroxeado,
e névoa e não-estar-ali?
Que quando se olha não se pensa,
e quando se pensa não se olha,
que só existe, concretamente, quando não importa,
e não responde perguntas: a não ser quando é segunda pessoa,
porque a essência da segunda pessoa não é estar à vista
("estar à vista" - isso é das terceiras pessoas, das fotos, das multidões de poe e walter benjamin).
A essência da segunda pessoa é interlocutor,
de preferência, invisível, ou diria-se, semi-visível,
pressuponível, extrapolável.
O elfo é aquele ser-fada que surge e distorce o mundo,
e que não deveria estar ali: talvez só exista (no sentido concreto do verbo, no sentido de levar a conclusões filosóficas dos que acreditam que as palavras têm vida e sentido próprios) talvez só exista no passado,
- que no presente nem pensamos em existências,
estamos preocupados em colorir o mundo com os olhos:
talvez o elfo seja justamente isso,
uma cor que o olho põe no mundo,
cor não de visão, mas de tato e de conversa,
cor-de-outrem; de interlocutor.

Ora, mas se já não falo mais do elfo, e sim daquele ideal essencial à razão,
aquele companheiro de todas horas,
o Outrem extrapolável da experiência cotidiana,
que pode ser eu-futuro, amigos comunicantes do futuro,
nunca do presente:
Porque se 'ambos' estão rindo dos acontecimentos agora,
depois poderão parar de piadas internas,
e conversar normais.
e comunicar normais.
Que tudo fora um grande jogo!
e na verdade sabem claro que nenhum deles existe.

Mas se já confundi a figura do elfo,
a figura do Mágico-Outro, não interlocutor, mas paisagem,
- que talvez o elfo seja justamente terceira pessoa,
ou que o diálogo com ele represente uma essência do diálogo:
porque ele é Sujeito, e jamais objeto,
ele afirma sua (ir)realidade com potência.
Se confundi-a com o nosso personagem-colega,
o que nos acompanha: o eu-memória, a memória, o futuro de lembrar o agora.
Um existir, agora, mas já em contar lembranças no futuro,
não propriamente tentando se aliar aos indivíduos de hoje
- se aliando aos do futuro.
Então o são é baseado em alianças de intersubjetividade,
de comunicação, que justamente saltam as distâncias de tempo-espaço;
enquanto o louco, que resolve-se a conversar com seus outrens onipresentes (e também presentes em lugar nenhum!),
é aquele que não enxerga suas alianças costuradas de memória,
esses cordões de lembrança que nos seguram a alma no mundo razoável do vendaval louco sacudidor de janelas da percepção.

São duas figuras diferentes.
O elfo talvez seja muito mais a fada.
Mas estou confundindo já mais outras figuras da cosmologia.
Que há as fadas-musas-bailarinas, talvez francesas,
são as flanantes; mas e o flanar masculino,
que seria justamente o elfar?
e há os vampiros de Londres.
Quando as bruxas seriam então fadas, e os vampiros elfos?


Conceitos fixos sóbrios desses não conseguem segurar a cor vibrante de suas invenções: eles saem a embriagar-se e borboletar, trocando de pele mais rápidos do que camaleão: Nuvem.

- Talvez as nuvens me expliquem as razões (deslógicas) do meu panteão classificatório interno de ideais.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Viver (rascunho)

Viver é passar pulando pelos buracos
de um longo caminho deslanceante.


Não há maior demonstração de vida do que pulos e cambalhotas:
são movimentos sem sentido,
e com puro sentido;
pois que definem o movimento-em-si - é movimento sem atribulações de tempo-espaço e de deslocamento:
é dança sem música,
simples extravasamento de energia bruta;
transbordamento de raios de sensação, de negação de realidades,
de destoamento, de elfismo.
Quando a vida é tão grande que afoga o ser humano,
ele precisa correr sem objetivo! e de olhos fechados.
Correr de olhos fechados porque é movimento em estado bruto.

Porque elfar é brincadeira para crianças, é sem sentido e sem nexo, é presente sem futuro e passado, é momento.

Crianças passam correndo e dando cambalhotas e pulando, porque têm vida em excesso e por isso são tão gordinhas;
A criança é recém-chegada, é sem hábito: sem passado - e por isso só possui presente.
Conforme se envelhece o passado engorda e o futuro cresce simétrico, a não ser que se negue tudo e se viva na vida saltitante dos lunáticos!

Sair na chuva é para se molhar, é para brincar com água e com os elementos; soltar pipa é entender o vento, é roubar o vento e sê-lo, e que o vento também é o próprio soltador de pipa.

As crianças não precisam da reafirmação alheia para poder ser em tempestade; não precisam do olhar alheio confirmando - elas o pressupõem.

sábado, 22 de março de 2008

Sobre o movimento

Para melhor compreender a bagunça e a vida, ou a bagunça-vida, que é a mesma coisa, vou criar aqui um pequeno glossário: meu dicionário, e quando me vierem com dúvidas sobre o que faço, simplesmente lhes mostrarei as definições. E eles saberão o que quero dizer, e avaliarão minha pertinência.

Estes quatro verbos, que são como fogo, terra, água e ar, são os quatro elementos da constituição da ação: não se referem às coisas fixas e ordenadas, mas ao seu movimento impensado.

Tudo começaria no esmar. Esmar seria a forma mais baixa do movimento aleatório. Vou defini-lo rápido e passageiro, pois que não interessa: esmar é o ponto de partida. Seria assim: o esmante é aquele que não possui objetivo, e navega a esmo pelas ruas, simplesmente porque não lhe resta o que fazer.

Não muito melhor do que isto é o avulsar: o avulsante é aquele que ainda tem opções do que fazer, todas com suas devidas importâncias nulas, e as escolhe sem reflexão: avulsa, permitindo às correntes do mundo tragarem-no em sua desordem multiforme. Não é ele mesmo inventor das marés, mas pelo menos nelas se deixa levar aos becos, como tonto.

Agora vamos ao vir-a-ser criativo, o que realmente importa:

Flanar é a magia francesa. Quando digo francesa, me refiro, obviamente, à França inventada dos flanantes, aquela feita de café e livros, de francesas e seu sotaque macio, de rios literários multicoloridos. As francesas inventaram o flanar: não é origem cronológica mas sim poética do verbo, que falar francês estimula a mente a sonhos. Sem mais esmices: flanar é trocar os pés, é abandonar todo e qualquer desejo mundano para aproveitar o gosto do novo, simples passeio. Flanar é ser livre, ser-em-liberdade, é contemplação estética do arredor, invenção de irrealidade. Talvez os loucos flanem - vou lhes perguntar da próxima vez que esbarrar em um nessas ruas-rios confusas da floresta-festa flanatória.

Enquanto elfar é o ápice da existência desregrada, é movimento dos elfos. Quando um homem se desfaz de seus objetivos e apanha o mundo com paixão, pelo simples respirar da paisagem, mas não se limita: engole-o ainda e vira ele mesmo cenário; quando sua existência remete a uma forma artística tão sublime que corrói as correntes de necessidade dos outros elementos, aí sim ele já se pode considerar elfo e não mais gente. Os homens-elfo são a raça da contemplação mais aguçada, que funde sujeito-objeto: e se os flanantes gostam de cantarolar ao longo das margens de um rio, é porque gostam de admirar as danças élficas do universo. Talvez os elfos para si mesmos apenas flanem: o elfismo é o reflexo deles no espelho - é quando o reflexo também ele flana, ecoando o ser-caótico com tanta imprevisão que ambos ressoam uma música de invenção, e tecem mundos.

Sendo assim, estão definidas todas as formas da transformação da matéria. Se lhes parece haver falta da locomoção ordenada e racional, percebam: se omiti-a por puro acaso, ela coincidentemente também inexiste. Toda a diferenciação em tempo e espaço nega os princípios de igualdade que supostamente regem o mundo, proclamando assim o reino da imprevisibilidade, o carnaval, a bagunça-vida! Não existe, pois, o movimento escravo do não-movimento, por este comandado: sempre que os átomos se põem a balançar em folia louca, esquecem suas ordens monótonas e divertem-se bêbedos.

Perguntas

As pessoas fazem perguntas estúpidas. Perguntam por que usar chapéu. Como por quê? É uma contradição em termos. Podiam perguntar quando usar chapéu. Ou onde. Às vezes perguntam por que fumar cigarros. Como por quê? Podiam perguntar o que é fumar cigarros. Fumar cigarros já implica sua própria necessidade. As pessoas dissociam o fazer de suas razões, e fazem, e não sabem o porquê. Não há o porquê. Há quando. E onde. E outras dessas perguntas estúpidas e acabou. Já ouvi perguntas como: por que as pessoas bebem vinho, por que se embriagam? Meus caros, vocês sabem o que é fazer tudo isso? Sabem o que é beber, se embriagar, rir das perguntas esdrúxulas e bolar respostas sem atenção, só para encher as páginas de letras? Não sabem. Aí perguntam: mas então, por que não sabemos? Por que não saberíamos? Por que nos escondem tanta sabedoria? Por que, por que, por quê?! Não perguntem! Fumem! Bebam! Usem seus chapéus como se fossem pipas, e quando o vento bater derrubando-os bêbados e lhes roubando os chapéus, atirando toda a fumaça na cara, vão todos poder amaldiçoar as forças da natureza, e correr para o bar, para a tabacaria, para a chapelaria, e juntar-se a outros tantos desconhecidos para maldizer o mundo.

A verdade é que as pessoas perguntam demais. E só perguntam perguntas estúpidas. Na verdade, só existem perguntas estúpidas. Por que será?


O ponto de interrogação deve ser o sinal mais infeliz.
Ou o mais estúpido.
Ainda bem que os estúpidos são ingênuos e felizes hehehehehe.

aviso

desaprendi - não posso mais.
alguém me construiu muros altos ao redor
- ou então fui eu mesmo.
vou culpar muitos uns e muitos algos!
não interessa culpa. não interessa nada.
para aqueles que são mortais,
aqueles que se sabem desinteressantes e banais,
os que já prevêem seu esquecimento,
que já esqueceram a si mesmos:
para nós, só podemos amaldiçoar o azar,
invejar os outros de quem já fomos aprendizes no passado.
eles agora explodem em glória mil-maior:
estão inalcançáveis - pois que eu cavei um buraco pra me esconder,
e escrevi em cima um aviso: aqui jazo. isso é tudo.

domingo, 2 de março de 2008

Dobras (rascunho)

Passeava convalescente em Londres, cidade-em-si, quando assisti às comemorações da independência de Kosovo, país-incógnita, comemorações não-planejadas, sem discursos nem populismos, simples folia da massa.
Contagiante. E por quê? Meus sentimentos se exaltaram ao notar a importância do fato para tantas almas felizes, e o ar foi preenchido de algo que não ordinário, algo de sublime, de literário. Algo externo à ordem comum do mundo, pois que aquele dia significava uma ponta de iceberg em tantos dias passados atrás para alcançá-lo; e também refletia uma glória de tantos dias vindouros, que estaria gravado nas memórias como marcante, seria lido nos livros de história e cantado a cada aniversário que fizesse.
Esse dia era uma dobra na linha do tempo, pois que esta segue retilínea enquanto nada acontece, segue preenchida de uma cor só monótona, até que de repente faz curva em uma nova dimensão, e esse momento da curva dá significado a todos os passados e será o ponto de partida para os futuros.
Tempo efêmero, mas que ao mesmo tempo eterno.

Perguntei: seria essa situação o arquétipo da fonte de inspiração?
(Partindo de que minha noção de obra de arte seria a que me inspirasse; e de inspiração a que me tragasse ao estado contemplativo, ou que me provocasse ímpetos de compartilhá-la, ou produzir outra obras.)

Notara muito dantes que a dor é literária, que as mortes e guerras servem aos livros e à arte. Ocorre-me que esta dor em sua maior parte é de rasgo, de deixar marcas na posteridade. Talvez poéticas sejam todas as curvas no tecido do tempo, todo o questionamento do tempo-espaço cotidianamente óbvios; ou mesmo todo o pensar fora de si, o pensar através do outro, o sair do corpo e da cosmovisão do dia-a-dia.
(Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia?)

Talvez por isso a noite inspire: esconde o mundo? É outro mundo, o mundo escuro, oposto ao óbvio iluminado.
E as drogas nos trariam inspiração pela alteração do espaço-tempo, pelo questionamento do eu ...

Porque o texto não literário, o que não inspira, que não é um mundo-em-si, o texto mais cru e frígido, desapaixonado, tomemos como o ensaio científico bruto, os dados de computador. (São os textos-reprodução-do-mundo, representação. Que descrevem pormenores como se por conceitos possuidores de existência própria, captáveis por qualquer leitor. Fingindo que poderiam descrever a música para o surdo. Fingindo que as palavras não funcionam somente através das catarses, das metáforas, do leitor reconstruindo um texto à parte.)
O que inspira então talvez seria a negação destes, a negação de Platão e das idéias imóveis, que elas possivelmente funcionariam se o mundo fosse estático, mas as correntes do tempo provam a pluralidade transformante da realidade, e por isso nos violentam a paz esclarecida, nos trazem escuridão e medo, pensamento.

Talvez por isso as plantas inspirem, serem seres a se mover no tempo noutros ritmos de difícil captação. Talvez por isso as nuvens inspirem, por não serem definíveis no espaço, sempre em movimento.
Guardas-chuva me inspiram por fingir volume, por quando abrir serem explosão; que as ilusões ao serem reveladas redefinem o mundo: o choque do desmentir é grito-orgasmo, rasgo.

Repensar o espaço-tempo não é que um tipo de pensar pelo/através de outrem, reinventar o mundo. Os óculos de Proust: não procurar outras paisagens mas outros olhos.

Talvez Deleuze esteja certo e o importante nessa história toda seja o devir, a transformação. Que só importa definir estados semi-estáticos de antes-depois para perceber as marés de mudança atuantes, a lógica ilógica artística do real.
(seria viajar um grande devir?)

Que nós, povo da aparência/essência, povo das crenças no uno; o que nos leva além de nós, e nos arrasta para alhures, é desfazer esta cosmovisão.
Isto nos faz sair dos paradigmas, conseqüentemente sair dos medos e felicidades da vida mundana, se lançar externo a si e ver-se por outros olhos.
Não diria ver o mundo em sua Verdade, sua coisa-em-si; diria ver o mundo de outra forma, e a divergência entre os dois nos levaria além?
- Nos nadificaria... será tudo isso aqui uma divagação existencialista?

E lá vamos nós, mais uma escala no mundo dos livros, atrás de outros filósofos a assimilar. Que inferno, pois só queria escrever aquis-e-alis, nada de ficar vangloriando os já-perpétuos.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Round Trip (Trip das bicicletas)

De volta à Europa, à Holanda, a Haia, ao Mauritshuis, à sala à esquerda quando se sobe o terceiro lance de escadas; de volta à Vista de Delft; algumas horas de contemplação, entremeadas por pausas para capuccinos da promoção e sanduíches roubados do café da manhã do albergue, me recompensaram com a tão almejada compreensão da importância da parede amarela, a obra-prima de Vermeer.

E assim,
o mistério iniciado meses atrás por um quadro,
se desfaz,
como um laço de fita,
como um bolinho desmanchando em chá,
pois que proust se abriu em leque desde então,
conforme as páginas destrinchavam na minha frente,
e suava assimilar os eternos,
suava assimilar cézanne e bacon, e kafka e pink floyd,
a história da vista de delft e de bergotte que morre na frente dela,
e todo o contexto de uma filosofia da diferença,
uma filosofia que vangloriasse as singularidades,
veio se abrindo para mim,
quase como se esses meses no brasil tivessem sido uma longa escala nos livros,
uma pausa pra continuar aqui,
para entender aqui,
posta a própria viagem começada lá em amsterdam,
terminada aqui em amsterdam,
num reviver de tantas cenas e cenários,
tantos quadros e diálogos,
tantos filmes vivos,
uma sucessão de déjà-vus que entortam o tempo e redefinem o mundo, fazendo sentido.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Cerbère

Era uma vez, em um buraco fora dos mapas da França, quando três fadas madrinhas me abordaram flanando, me inventaram queijos e suas línguas sorridentes, me atiraram n'água com zombarias típicas de criaturinha.
Paguei molhando pés em Mediterrâneo, lagarteando em praia de pedras, fingindo filmes franceses.
Sem dúvida tudo planos longos de gotas salgadas de mar, que terminaram indo dormir em minha língua cansada.
Paris amanheceu triste, e sem assassinatos.

a Bachelard

Quando, naquela idade, a idade do agora e dos planos, todos brincavam de pintar o futuro;
Ela passou aqueles dez anos de prazo esculpindo nuvens, todos os dias e noites, parada no topo de sua montanha, sonhando as belas nuvens.

"Trate de tomar a sua sopa, seu maluco, mercador de nuvens!"
(Baudelaire)

a Jonathan Strange

Vento escreve na grama,
Nuvem escreve no céu.
Seria a grama mera tela, mera desculpa para o vento balançar os teus cabelos?

"Quando me ponho a mordiscar os teus cabelos elásticos, parece-me que estou a comer recordações."
(Baudelaire)