quinta-feira, 12 de junho de 2008

Já é tarde

Quanto dói já não ter mais uma imagem de musa a que recorrer nos momentos de nostalgia por alguém que nunca existiu.
Naqueles momentos nos quais a solidão cansa no peito, e se busca com desespero as imagens belas dos dias bonitos e amarelos.
Mas não:
que os dias bonitos já são há tanto,
já se agüenta a distância até já nem notá-la mais,
que aquele jovem coração feito de chamas claras, brancas e vivas,
ele está afastado há tanto de qualquer outro:
que as teias de aranha da indiferença vêm crescendo,
e que os sonhos já também perdem o sentido,
que já se vive em função de ideais de gelo;
tanto mais terrível por ser um sono tão leve,
Ah! Qualquer brisa me acordaria!
Brisa mesmo que nunca vem.
E cada vez mais sensível aos mínimos suspiros,
e cada vez menos eles vêm.
A vida é bela e implacável - como aquele quadro de musa que guardo no meu quarto,
e que às vezes fecho-lhe os olhos para lhe sentir saudade,
e que já prometi só me deixar vê-lo quando puder sorrir de novo - e por nada,
mas que já fiz a promessa também há muito,
e que já mesmo as paixões mais infantis vão se tornando hábito cinza e desgastado.
Mas aquele distante olhar de alguém que nunca existiu.
Lembro que um dia eu era aqueles olhos,
e conseguia me ver distante como uma solidão inalcançável.

Quem sabe se algum dia não lhes dá na telha das correntes de destino que agrilhoam este navio de existência, não se viram como as marés em sua dança lunática de fim dos tempos, e nos deixam abalroar algum recife! para novamente podermos afundar nessas águas revoltas, poder chorar rios de lágrimas! - que nunca mais chorei lágrimas nessa odiosa calmaria morta e seca.
Estou reduzido a planejar vidas idiotas com todas que vejo e odiá-las escondido.
E já não entendo quando, trêmulo, no escuro, me enrosco na cama e sonho com infinitas daquelas que já amei algum dia, mas não adianta,
que até aí já não as lembro direito.
Não-lembrar: é o maior desespero,
não-lembrar dos maiores amores que doíam insuportavelmente.
Um dia acorda e a dor se foi;
onde foi?! Onde foi?! E já nem lembra mais quem foi embora.
O pior sentimento de todos é este:
o desgaste,
o cinza sem-graça,
o saber-se que não é o pior sentimento de todos - e isto é o que dói mais!
Porque é uma tristeza medíocre,
de mediocridades medíocres,
de preguiças infinitas de alcoólotras que já bebem por terem desaprendido o não-beber;
tristeza das inércias, e das indolências, e do não fazer nada enquanto a vida é um rio implacável que nos arranca pelos cantos por mais que grite, que grite sozinho no escuro.
Ai! Como dói não-doer tanto!
Sofre o coração por não-sofrer.
Queria agora estar gritando-urrando um desespero,
mas ao invés fico preso no pesadelo vazio,
e é grande a dor no vazio.
No vazio ninguém dói - e por isso dói mais ainda.
Um vazio de um apartamento vazio coberto de teias velhas de aranhas mortas de tédio.

Preciso de um cigarro.