segunda-feira, 4 de maio de 2009

Incrivelmente só escrevo sobre minha escrita
e mais:
se um vivesse de ler apenas o que aparece aqui
não saberia que existem outros que não eu,
pois que tenho tantos subjetivos nas linhas
sem nenhum outrem que lhes justifique.

sábado, 2 de maio de 2009

Tangente

Duma feita estava rotinando num semprealgo que de muito repetitido em várias circunstâncias se resumia ao caminho que tomava depois do almoço; e que então nesta vez anômala esbarrou no pensamento em tropeço; gaguejo, tosse.
Eu devia ter anotado melhor o que comera naquela manhã, quantas horas de sono, quantos litros de ar tomara no café; que lembranças eu mastigara de desjejum, quais imagens de sonho me ocorriam à mente no abrir a geladeira.
Fato é que não notei nada em meu corpo que explicasse o feito, mas que de repente senti as faculdades mentais se dispondo de maneira diferente; e só consigo imaginar uma caixa de câmbio trocando o eixo das rodas, grandes estruturas rígidas de aço - os ditos aparelhos psíquicos de laboriar consciência - sendo postos numa configuração de todo modo inusual: marcha rara; que, com um tranco, um leve coice de uma bolha de ar estoirando, conectou certas representações em algo que tenho ampla certeza adjetivar curto-circuito: em sua eletricidade de aceleração perigosa, talvez também no seu caráter indesejado, evitado a muito custo.
Pois bem, que normalmente, se me ocorria de não reconhecer o ritmo de minhas divagações, havia-se causas claras e explícitas: me invadiam de uma sensação diferente, à qual estava despreparado; e tal se deu quando em claustrofobias ou pânicos que me atormentavam, ditas euforias, ebriedades ou sustos, cheios de treme-treme nas mãos e a respiração entrecortada, tão corpóreo que visível era.
Mas se digo 'normalmente' em um evento cuja essência incômoda se dá em sua chegada fora de propósito, inoportuna; faço-o unicamente porque tenho deixado de lado certos afazeres mentais (como o tal aqui debatido) dos quais desconfio - mesmo que com demasiada imprecisão - já terem sido um dia parte habitual de minha dieta; a ponto d'eu lhes poder um dia prever a vinda nalgum momento vindouro, e contar com esta para um projeto, um futuro, um outro tempo que me surpreendesse; mas que, d'ultimamente, não me compunham com o dia-dia, e s'excluíam do dito pensável, possível.


É difícil chegar ao ponto em que espero neste relato. Mas há uma certa relutância em saltar direto a algo que no fundo tem de tão inexpressivo que posso de muito mais alongar-me em suas constelações de relações gostosas; daí que despejo sobre tais territórios estas nuvens de letras, peças de quebra-cabeça, e seu padrão a cair me informa de uma dimensão por mim até então ignorada; porque talvez esta 'experiência vivida' ( no sentido forte, absurdo ) seja como uma semente que se nos surge no simples engolir diário dos frutos do tempo, e que nos cabe plantá-la ou morrerá; engoliremo-la e será digerida como tantas outras. Como uma pista que abre aos detetives novos leques de hipóteses - e daí me lembro duns tantos filósofos que se me diziam certas vezes: que uns textos a se voltar a definir seu objeto de pronto, tratando de esmerar suas fronteiras e envolvê-lo em grandes cobertores de adjetivos; estes só possuem intuito mesmo é de denunciá-lo, capturá-lo e pô-lo inofensivo num quadro envidraçado de exposição de borboletas.
Então entende-se que eu relute em simples derramar de logo meu trunfo (tão pequeno, tão frágil) em um discurso súbito recém-começado. Se os ventos rítmicos da prosa derem sinais de inverter de sentido, não haverá espaço para erguer à minha muda recém-plantada certas paredes de papel já-lido; e quando então o tempo mudar, não haverá o vozerio destas idéias frias e protetoras a permitir-lhe desenvolver-se escondida no plano de fundo, no silencioso olho de tornado das palavras.
Tentar entender um vivido exige tantas precauções - ainda mais quando se trata de tanto sem precedentes, e que muito de provavelmente não retornará - exige uma parafernália quase cirúrgica de esterilização do maquinário leitor, para a extração desta impressão-feto ocorrer sem matá-la, pois que é parto apressado, parto súbito antes do momento; porque esta impressão fugidia ocorreu justamente no canto dos olhos, porquanto se olhávamo-la diretamente eis que silenciava, e tanto esforço para sair de sua frente e deixá-la emergir ( tanto que nem pude intentar isolá-la, alterar os planos do dia para prolongá-la e saborear ); que não: quando vem e ocorre, ocupa todo o espaço do pensamento, de tão egoísta, de tão, "outra", que não suportaria a presença de nossos mecanismos cotidianos de elaboração.
Sei perfeitamente que não me era permitido encará-la de frente, cá-comigo e meus passados (meus tempos gordos e maiores que iriam fagocitá-la vorazes e digeri-la em obviedades) e ela lá-consigo e sua objetividade clara, dada, presa pela pata na armadilha de lobo; mas quando justamente o a-ser-examinado consistia num eu-mesmo, e ao apontar-lhe a objetiva já sumia em meu olho de observador? Adeus às câmeras!
É assim que só me lhe restam poucos fragmentos de imaginação, como se passasse por mim um arco-íris dum outro espectro de cores que não o mundano, ao qual não podia eu dirigir os olhos vermelhos-brancos-verdes-azuis, mas me deixasse borradas mangas da camisa com uns leves tons irreconhecíveis; daí que descrevê-lo passaria por dirigir-lhe tantos subterfúgios para que não fosse apagado em minhas cores oculares, que mal e mal talvez nunca chegue efetivamente a reproduzir a cor do então-dito.
Do conteúdo daquele pensamento possuo pistas, mas desta parte não posso realmente sentir falta ou separar-me, visto sei vão estoirar inda noutra feita, e delas não me cabe tanto responder. As pegadas que um animal deixa de pouca utilidade são para os dançarinos, interessados mesmo em identificar a graça com que as bestas flanam sobre suas patas, multiplicando pisadas sem objetivo. Trata-se do velho truque de enxergar estrelas tímidas: que um olhar direto as faz sumir, ao passo que dedicar-lhes o foco leve, a mente atenta às luzes que surgem no campo da objetiva que não eram de sua intenção; as companheiras acidentais da mira do observador surgem então, achando-se sozinhas, e põem-se a revelar o quanto de mundo se nos escapa na normalidade.
( Gosto muito da vez em que, no escuro de meu quarto, tentei entrever a imagem de um quadro de muito agrado antes de dormir - mas este estava negro; e quando em deitando-me já punha a fechar as vistas quando entrevi de vislumbre a imagem plena, a espreitar-me escondida no não-olhá-la )


Pois então, sei que esta feita (o tema oculto destas tantas frases que estou a enovelar) ocorreu-me diferente das tais outras a que eu começava a fingir-me acostumado, citando-as perante outros, rendendo-lhes nomes e leis de ocorrência; a tal feita tão recente, mas que deve na verdade ocupar a maior parte de meus dias, e eu nem noto, pois que a confundo com familiaridades abstratas impossíveis; ela se passava em um puro discurso mental ininterrupto, conexão de semi-lembrados em profusão de idéias novas, e narrando para mim mesmo, que afogava numa criatividade louca, uma sopa de matéria orgânica onde qualquer palavra sabia deitar raízes e frutificar; e tudo sem aquela sensação outra que lhe desse reflexo em meu estômago, nenhuma intuição que proporcionasse material para suas elaborações constantes de novidades.
Só posso dizer que não foi magnífico ou estupendo, foi mais mesmo é divertido, agradável, dito que meio não era eu: deram-me a conhecer este outro fulano, que monologava com minha voz em minhas orelhas muitas coisas, e que depois foi-se para os recônditos profundos da consciência.
É possível que haja muitos desses indivíduos disparando suas pérolas por aí, mas só o fazem quando seguros sozinhos, quase semi-ignorados, deixados de lado; e mais ainda! pois que não podem ouvir de réplicas: não existem quando na segunda pessoa! (posto que são mesmo é a primeira). Aposte-se-lhes um 'tu' e vão-se em paradoxos.
E só volta rara conseguimos abdicar de nossas queridas palavras e ouvir algo como que esta mesma nossa voz a declarar as tortas descobertas de seu vislumbre de mundo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

pequeno lari-lara

pequeno lari-lara censurando o início da página com abusos ainda não avaliados.
por favor, siga a lista de legíveis, e tome cuidado
ou não

texto-petróleo

"... e o início e o fim procriariam mil filhos em um sexo literário ..."

"... este capítulo ecoa num silêncio vago os gritos da página debaixo desta, pois que ela fica soando monstruosamente ..." e a tal página não existe, é imaginária, mora dentro daquela espessura ridícula, é interna às letras feias se balançando em palavrões

a picareta do Tédio de baudelaire, o monge martelando o sino para acordar Deus dos seus sonhos, o fim do mundo;

texto que é uma gozada de porra grossa, porque nunca escreve até que estoura, e se torna atropelado - literalmente atropelado: são poemas bonitos que foram arrebentados contra o muro e saíram mancando aleijados; todos cheios de cicatrizes de onde era são, mas que agora fica nascendo em outras formas de literatura, outros tumores parasitas; é uma grande aberração, com os membros em constante fornicar, multiplicar; e se dilacerando, que entram a se comer e foder ininterruptamente, se arrancando desde os cabelos até os dedos e os olhos

eu quase vejo, percorrendo as idéias incômodas, um fio de estrutura: um grande rio de sangue-esperma, que fode ou morde tudo que encontra -
uma veia, uma ferida retalhada, dá até pra ver o corte torto da navalha dilacerando as imagens; corte donde escorre um esperma preto e fecundo, porque estupra todas as palavras que encontra, e gira as imagens tanto que as faz vomitar suas avessas;

a cena, a traduzir e remendar, pode ser uma simples picareta enfiada nas tripas, ou aquele pai gritando a morte com a boca vermelha maior que o mundo, ele arrebenta a relação som-imagem, de tanto que ressoam seus berros de chumbo na memória, tremendo o próprio tecido de tudo,
- e sinto tecido em tudo, tecido vivo que sangra, tenho medo de pisar no chão e desvirginizá-lo, de engravidá-lo com esse ritmo degenerado

um texto/cena que fosse um poço de lama, um poço de petróleo,
que eu enfiasse o balde e fosse sujando o mundo pútrido, com suas próprias entranhas mortas e fossilizadas há tanto, que o mundo tentava engolir e indigerir;
texto feito com o pus das inflamações, com a carne podre,
texto-câncer,
que quer mais é que tudo moribundo ande alguns passos e desmonte, caia cadáver choroso; que os cadáveres ele poderia fornicar e procriar sua monstruosidade em outros planos

esperneio

estou tremendo, me espreguiço, mas há uma energia aqui dentro,
é um prenúncio de claustrofobia, de pânico, não sei o que fazer,
não "faria" nada, estou aqui, finjo que não está acontecendo,
penso se vou revelar a alguém meu estado,
talvez só se eu começar a tremer às suas frentes

... acho passou, ainda existe um pouco, ainda insiste,
mas não sei o que fazer com isso, é tão ruim,
só preciso de ar, falta de ar, respirar fundo

a cena do banheiro em que quase chorei,
talvez tudo tenha sido desencadedo pela lembrança de verdeacaminho, ou hoje mais cedo,
a dor da guerra e do medo de passar pelo horror dos coveiros, e enterrar a todos, e enterrá-los vivos, bando de desgraçados;
aquele horror de vampiros e picaretas,
a cena do banheiro, dos chiliques e dos espasmos,
é o que mais me é horroroso.

o escrever é um espernear, porque não consigo me libertar destes lençóis sufocantes em que me afogo à noite simplesmente com meus espasmos físicos, preciso torturar palavras e pisoteá-las agressivo, que devem ranger nos meus dentes sua dor - quero que se contorçam, escrevo para eletrocutar a tinta

quando eu me levantar desta cadeira o sonho vai sumir, vou ao banheiro, vou perder este estado absurdo. porque proust paralisava seu tropeço porque os sonhos fogem com os movimentos: são pássaros que vêm nos bicar o umbigo quando estamos dormindo; que às vezes carniceiros nos rasgam as tripas; são moscas que vêm nos transmitir doenças, vêm defecar nos nossos olhos cheios de lágrimas -
o mínimo gesto os espanta, covardes

não queria ler nada disso
acho tudo horrível
às vezes abro essas folhas e impressiono com tão estranho
nunca sei quanto aos outros
as letras gemem e estão todas tortas das torturas que lhes faço, tanto que já é difícil lê-las

sinto preso a este chão, e em breve algum mínimo estalo levará embora para nunca mais.
Isto aqui é uma carta suicida
talvez outro dia volte à vida em alguma outra dor inesperada